domingo, 24 de janeiro de 2010

Era um fim tarde, de outono. De clima ameno, uma brisa agradável soprava vinda do leste trazendo os últimos resquicios do calor do Sol que ja estava por se por. O céu sustentava o brilho do fim do dia, em tons de laranja e purpura que se encontravam num ponto em comum, circunscritos pelo azul escuro estrelado da noite que estava por vir. E ele caminhava em direção ao horizonte. Em sua mente, cheia de antigas memórias, registros de longas eras pareciam segundos, enquanto as lembranças recentes pareciam perdurar por eras.
Por entre as ruas vazias ladeadas por antigas e belas construções uma voz ecoou. Ela chamava seu nome.
- Chuck! Espere! - Ao ouvir a voz da garota ele parou, e girou sobre os calcanhares.
- Você me encontrou!... - Disse ele num tom simpático e sereno.
- Para onde você vai? Não pode ir embora assim. - Argumentou ela.
Ele continuou caminhando. Mas agora diminuiu o passo para que ela pudesse acompanha-lo.
- Claro que posso! Não é pra isso que serve a... "vida" é como vocês a chamam, não é? Para fazermos com ela o que quisermos, sem nos importarmos com o que isso causará aos outros. - Disse Chuck num tom sereno mas sem esconder a dor.
A paisagem começava a mudar a cidade ia ficando para trás e a rua de paralelepipedos se transformava numa estrada de terra batida e as belas e antigas casas davam lugar a casas mais distantes umas das outras e a àrvores de folhas amareladas que voavam com o vento, espalhando um aroma agridoce pelo ar. Chuck respirava fundo, sentia o aroma ora doce ora mais alcalino, vindo das folhas e da grama esse cheiro parecia reconforta-lo. Tudo ainda era muito novo para ele.
- Pra onde você vai, Chuck? Pode me dizer? - Ele olhou para a jovem garota com uma expressão austera e não disse nada. Depois de um breve instante respondeu:
- Eu não tenho para onde ir, então eu vou para todos os lugares e ainda assim para nenhum. A "vantagem" de não ter um lar, se é que se pode chamar assim, é que qualquer lugar é seu lar.
- Você vai andando? Não vai se cansar de andar Chuck?
- Vou ter que ir andando... Ja não tenho mais asas. Você sabe! Agora vou ter que caminhar e me cansar... Mas talvez isso seja bom, talvez eu durma melhor depois de me cansar. Talvez eu sonhe essa noite! Uma das melhores partes da "vida" é sonhar, em minha outra vida eu não dormia, nem sonhava.
- Mas também não tinha pesadelos! - Disse ela num tom levemente soturno.
- Me diga, Melany. Como eu poderia recusar o dom de sonhar simplesmente por ter medo de ter pesadelos também? - Melany sorriu.
A noite começava a se adensar e as estrelas pareciam mais brilhantes contra o céu de um profundo azul escuro, o vento do outono ainda trazia o calor vindo do leste.
- Posso te fazer uma pergunta Chuck?
- Claro, claro que pode...
- Você não se arrepende de...
- De ter desistido das minhas asas e da imortalidade? - Completou ele - Não, de forma alguma.
- Mesmo depois do que aconteceu? Mesmo depois de Jasmin ter deixado você. Mesmo depois de não ter te escolhido depois de tudo?
- Mesmo depois de tudo isso. Eternidade talvez não se resuma a viver para sempre e ser testemunha de todas as eras do mundo. Talvez a eternidade também esteja nos momentos que marcam sua alma, seu ser. Ainda que tenham sido verdadeiros apenas para você. Mas, confesso que não sei se a dor é um bom preço a se pagar.
- E você acabou pagando esse preço Chuck. Sinto muito.
- Eu também! Eu também sinto muito Melany. Mas não só pelo que aconteceu comigo, mas por tudo o que descobri sobre os humanos. - Neste momento uma brisa soprou e lançou folhas secas douradas no ar, num movimento suave Chuck apanhou uma delas
- Os humanos são assim Melany. - Disse ele estendendo o braço e exibindo a folha seca pousada sobre a palma de sua mão.
- Assim como? - Perguntou melany.
- Como folhas ao vento. Eles se desprendem facilmente das pessoas que dizem querer bem. Das pessoas que lhes deram abrigo, sustentação. Assim como as folhas se desprendem dessa árvore, ficam lá por um tempo até que uma brisa as leva para longe e depois...
- E depois?
- Depois elas... - Ele esmagou a folhas seca com uma das mãos. - Escolhem cair em mãos que só fazem destrui-las.
- É... Acho que você está certo Chuck. Eu gostaria de saber por que eles são assim.
- Eu também gostaria de saber. Mas acho que isso nunca vai acontecer.
- E por que não?
- Jasmin foi a folha que se desprendeu de mim. Só ela pode responder por que me levou mais alto do que minhas asas de anjo jamais fizeram e depois me deixou cair.
- Ela foi a folha que se desprendeu. - Sussurou Melany, mais para sí mesma do que para Chuck.
- Sim, ela foi.
- Chuck...
- O que?
- Você imaginava que isso poderia acontecer? Que Talvez você desistisse da sua imortalidade, de poder voar, e depois ela talvez o abandonasse?
- Sim, imaginei que pudesse acontecer.
- Então por que...
- Um dia um sabio da raça de vocês disse que "viver é a coisa mais rara do mundo; a maioria das pessoas apenas existe." Eu simplesmente preferi tentar viver ainda que por um tempo limitado, tentar viver uma emoção ainda que também limitada pelas cirsunstacias, do que eternamente apenas existir.
- Você está pagando um preço.
- É um preço que eu sempre estive disposto a pagar para descobrir de que as pessoas são feitas. Para entender por que mesmo inconscientemente elas usam umas as outras. Por que nunca dizem a verdade, nunca expõe seus pensamentos claramente desde o começo.
- Você está dizendo que ela poderia ter evitado que você desistisse de suas asas?
- Não. Eu desisti de minhas asas e da vida eterna por que quis! por que era meu desejo. Estou dizendo, não que ela deveria ter evitado que eu desistisse de tudo. Mas sim, que não deveria ter fingido que isso mudaria algo em sua vida.
Sem dizer mais nada ele apertou o passo e seguiu em frente.
Nada mais seria como antes. E ele nunca mais voltaria.





- André Walker -

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